segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Brasil 2014: que país é esse?

Já faz algumas semanas que sinto uma inquietação me motivando a escrever sobre esta campanha política e acho que fiz bem em segurar este sentimento até o fim da corrida eleitoral. Agora posso unir o que eu ia falar antes com uma análise posterior. Vou dividir este texto em partes para não ficar cansativo.

Parte 1: Elvis como cidadão politizado
Como boa parte da população brasileira, não tive orientação sobre política no colégio e tive o azar de também não o ter em casa. Minha mãe gosta do FHC porque ele é culto e foi professor de não sei quem que ela conheceu e que o elogiava. E eu votava no PSDB com essa impressão, de que um presidente culto era melhor. E assim foi até 2010. Graças ao Twitter e à Internet, percebi durante o processo eleitoral de 4 anos atrás que talvez eu estivesse errado. E isso só aconteceu porque notei que muitas pessoas em cujas ideias eu confiava eram de esquerda. Em 2010 votei em Marina (sim =__=) e no segundo turno anulei. Mas não dei mais meu voto direto pro PSDB.
E desde então me interessei pelo assunto, compreendi como são as políticas de direita e as de esquerda e finalmente entendi que a esquerda era muito melhor! E que só pode ser de direita quem: 1) não tem respeito ao próximo, não tem caráter, se coloca em primeiro lugar, etc.; ou 2) não entende nada de política, como era o meu caso. (UPDATE: o João Golin apontou corretamente que eu havia sido injusto nessa afirmação sobre a direita. Então faço aqui uma correção: há pessoas decentes na direita, que escolhem esta opção por uma visão ideológica diferente, por uma orientação religiosa, etc. Complemento: a minha visão de direita é muito pautada pela realidade brasileira pós-ditadura, e não pela definição estrita do que significaria ser de direita) E saí de um PSDBista apolítico para um PSOLista de esquerda. Importante dizer que eu não gostava do PT e continuo não gostando, mas fiz campanha e dei meu voto para o partido no segundo turno pela convicção que é muito melhor um governo de centro-esquerda PTista que um de centro-direita PSDBista. Tem mais um detalhe importante: apesar de não apreciar o partido nem ser muito fã do Lula (embora aplauda sua incrível trajetória), eu gosto da Dilma. A considero uma mulher forte, extremamente corajosa e plenamente capaz de governar o país.

Parte 2: O estado da política brasileira
A política brasileira está passando por uma transformação e precisa completar logo este processo ou teremos novas eleições tão confusas quanto esta. O PT precisa aprender com seus erros. Eu creio que o partido se dividiu quando Lula escolheu Dilma como sua sucessora em vez de algum figurão mais tradicional da legenda e este racha parece ter inclusive atrapalhado o primeiro mandato de Roussef. A alta rejeição nas urnas mostra que eles precisam se unir novamente e principalmente definir logo o nome para 2018. Seja quem for (o Haddad seria a melhor opção, mas depende de aumentar popularidade em São Paulo), o partido deve começar a trabalhar a imagem deste desde já.
O PSOL cresceu em 2014 e se mostra uma opção de esquerda sensata (comparando com os radicais do PSTU, PCO, etc.) e que deveria se fortalecer especialmente no legislativo, pois é no congresso que precisamos de políticos esquerdistas para propor e defender projetos de lei do nosso interesse. A Luciana Genro deveria continuar candidata em 2018 e, caso não surja nova opção de "terceira via", tem chances de conseguir 6, 7%.
Marina Silva se enterrou politicamente. Aqueles que pregam a terceira via não votarão mais nela. Se ainda quiser alguma chance, precisa formar chapa logo com o PSDB. Desconfio que não conseguirá mais formar seu partido, já que as bases deste se dividiram quando ela apoiou Aécio. No lugar dela, eu migraria para um PSD da vida (mais condizente com suas propostas do que deveria ser o PSB) e tentaria vaga no senado. Pode surgir uma nova opção de terceira via? Sim, claro. Já vi até comentários de que Ciro Gomes poderia se candidatar, embora eu creia que ele já perdeu o timing. Mas definitivamente há espaço para que alguém surja como esta opção "alternativa". Quem? Não faço ideia ainda.
A direita está no chão e seria muito salutar para nosso processo político se esta se reorganizasse e fizesse uma oposição decente. O Brasil precisa de uma oposição como o PT era quando o PSDB estava no poder. Uma oposição que, em vez de jogar sujo, aponte os problemas do adversário. Mas o que encontramos hoje é: DEM morto e enterrado (enfim, adeus ACM); bancada conservadora forte no congresso mas inexistente no executivo; partidos tradicionalmente esquerdistas como o PSB e o PDT se aliando à direita simplesmente para ser contra o PT. Não dá, né? Fiquem neutros, façam qualquer coisa, mas não traiam os ideais de seus partidos. Se o partido não representa o que você pensa, mude de legenda. Mas certamente Brizola e Arraes se reviram no túmulo agora; e, por fim, o PSDB que não consegue se renovar. Aécio teria se afundado de vez se não entrasse no segundo turno. Saiu bem no sentido de ter chegado quase lá, mas com uma taxa de rejeição muito alta e a negação de votos nos dois estados que o conhecem melhor (MG e RJ).  Já em SP o partido ainda reina absoluto, com Alckmin e Serra no comando. Mas será que um destes teria chance? Não já tentaram por 3 vezes sendo mal sucedidos? A verdade é que nenhum dos três possíveis candidatos tem carisma e essa rixa entre as alas paulista e mineira do partido atrapalha.
Por fim, o PMDB, que, entra eleição, sai eleição, continua sendo fundamental para a tal governabilidade. O PT só precisa ter cuidado porque os PMDBistas não são muito unidos e há pelo menos três alas distintas do partido. Para ter governabilidade, a Dilma precisa de toda a bancada da legenda.

Enfim, todos deveriam tirar lições dessa campanha e trabalhar desde já para chegar em 2018 com maior coesão. E a Dilma? O que deveria fazer? Quais as necessidades mais urgentes? Enumeremos:
1) Reforma política: imprescindível, mas será muito difícil a aprovação com o congresso eleito. Ainda assim, vale lutar. Eu prefiro ver a bancada fundamentalista ganhar um ministério do que não ter reforma;
2) Economia: como há uma insatisfação geral com este aspecto, eu acho que trocar o Mantega por algum economista de esquerda seria um primeiro e interessante passo;
3) Regulação da mídia: este ponto definitivamente entrará em pauta após o que ocorreu com a Veja na semana passada e é fundamental que haja uma discussão sobre como regular sem censurar;
4) Políticas de esquerda: avançar nas políticas para a comunidade LGBT, pró-aborto e pró-legalização de drogas leves. Estes dois últimos pontos provavelmente não serão aprovados com o congresso eleito, mas que pelo menos sejam feitas discussões para conscientização da população;
5) Reforma ministerial: precisamos de um bom nome pelo menos na educação, e de preferência que foque na educação básica. Sei que todo o trabalho no ensino técnico e superior foi muito interessante, mas precisamos atacar primeiro o básico e depois o ensino médio para ver se nos livramos do analfabetismo funcional que ainda é alto. Infelizmente aqui entram as cessões partidárias, mas espero que a Dilma consiga definir nomes razoáveis;
6) Reforma tributária: outra promessa antiga e de difícil aprovação, mas que seria uma pauta fundamental para este mandato.
Claro que há outros pontos, mas creio que esses são bem representativos.

Parte 3: o Brasil que restou
Acho curioso que tanto os reacionários quanto eu tenhamos ficado com vontade de sair do Brasil após essas eleições. Eles, porque a Dilma foi reeleita; eu, porque gente como eles existe em alto número em nosso país. Estou profundamente decepcionado com a eleição do congresso mais conservador desde a Ditadura. E os pedidos de um golpe militar? E a manipulação da mídia? E os avatares de "luto" após a eleição da Dilma? E os preconceitos contra nordestinos? E o estado mais forte do país reelegendo um governador corrupto e que acabou com as reservas de água? E como viver em um país que mata tantos homossexuais? E as dificuldades das mulheres? É um país onde as minorias não têm vez. Um país onde, lamentavelmente, este congresso conservador representa bem a maior parte da população. E eu não consigo me sentir à vontade com isso. Estou triste e abalado. Felizmente, conseguimos evitar o PSDB na esfera federal. É um pequeno alento.